terça-feira, 1 de novembro de 2011
O medo é contagioso
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
As coisas que compramos
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Crescer sem pai
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
A história de uma "pérola" do rock
sexta-feira, 22 de julho de 2011
"A polícia é bravo"
domingo, 17 de julho de 2011
Ser pedestre em Uberlândia
sexta-feira, 20 de maio de 2011
"Os Agentes do Destino": uma ótima dica de cinema
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Hipocrisia e Preconceito
domingo, 17 de abril de 2011
Eu Queria Ser Bono Vox
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
O Jornalismo Televisivo Policial em Uberlândia: a crueldade de um discurso
O Chumbo Grosso é apresentado por André Silva, indo ao ar de segunda à sexta entre as 7h e 8h da manhã. Tão sugestiva quanto o nome do programa é a vinheta do mesmo, na qual vemos o nome do programa e o desenho de uma mira de arma de fogo. O programa cobre as diversas ocorrências policiais da cidade e da região: roubos, furtos, acidentes de trânsito, brigas, assassinatos, tráfico de drogas, casos de violência contra a criança etc. A principal característica do referido programa é o uso cruel das imagens mais fortes que a violência urbana pode proporcionar. Os corpos de homens e mulheres assassinados são friamente mostrados pela câmera que faz o uso de closes para mostrar os ferimentos provocados por balas e facas, bem como o chão sujo de sangue. O sensacionalismo de Chumbo Grosso não respeita as pessoas assassinadas e nem os familiares dessas pessoas, já que todo criminoso certamente possui um pai, uma mãe, uma família ou alguém que chora sua morte. O programa da TV Vitoriosa mostra os corpos humanos como se fossem meros objetos, sem respeito, sem humanidade, sem solidariedade. André Silva também faz, em muitos momentos, o uso de humor sarcástico para falar dos criminosos que aparecem no programa. Não há nenhuma tentativa de compreensão dos caminhos que levam alguém ao mundo do crime, apenas a fala simplista e dicotômica que representa o criminoso como inimigo da sociedade, sociedade essa que possui pessoas do "bem" e pessoas do "mal".
Por sua vez, o 190 Paranaíba, apresentado pelo Magoo, faz por merecer o nome que possui: 190. Cobrindo os mesmos tipos de fatos que o Chumbo Grosso e marcado por um humor bem mais negro, o 190 Paranaíba também vai ao ar pela manhã, das 7h45 às 8h45. O 190 não mostra imagens tão fortes quanto o Chumbo Grosso, mas também é marcado por um discurso bastante cruel. Aqui, os criminosos são rotulados como inimigos da sociedade e dos "homens de bem". Maggo não perde nenhuma oportunidade de fazer um jogo da velha com os dedos das mãos (simbolizando a cadeia) e falar "190 neles", um de seus bordões. O criminoso é representado como alguém que deve ser caçado e preso. O humor negro do programa chega ao nível de dar a "Comenda Mala Sem Alça" para indivíduos que cometeram certos crimes. Pessoas alcoolizadas também são constantemente ridicularizadas e humilhadas pelas imagens e entrevistas do programa. Mas talvez o elemento mais cruel do discurso veiculado pelo 190 Paranaíba esteja, de fato, no início do programa. Sempre no início, o apresentador Magoo recebe uma "visita" de um outro comunicador da emissora que está segurando uma ratoeira gigante. O que está escrito na ratoeira? Nada mais nada menos que os dizeres "Big Mouse Trap" e "190 Paranaíba". A ratoeira sugere que o programa mostrará os "ratos da sociedade", ou seja, os criminosos, sendo capturados. Qualquer semelhança com o discurso nazista de Adolf Hitler, segundo o qual os judeus eram os "ratos" que infestavam a sociedade alemã, não é mera coincidência.
A sociedade brasileira contemporânea vive um momento no qual a violência urbana parece cada vez mais próxima e intensa. O "medo do outro" é um sentimento cada vez mais intenso. Se crimes existem, que sejam investigados e que os criminosos sejam punidos. Denunciar a crueldade do discurso do jornalismo televisivo policial não significa "passar a mão na cabeça" dos assassinos e ladrões que existem na sociedade. Todavia, a forma da sociedade lidar com o mundo do crime precisa mudar. Os criminosos não são inimigos da sociedade, são pessoas que entraram no mundo do crime pelos mais variados motivos, motivos esses que os programas televisivos aqui analisados não mostram. Nesse sentido, ao invés de informar sobre a complexidade da realidade social, os referidos programas perpetuam uma imagem simplista da sociedade, imagem na qual as "classes perigosas" são completamente destituídas da sua condição de seres humanos, sendo tratadas como objetos ou como "ratos". Ao invés de informar, de maneira responsável, sobre as ocorrências policiais, Chumbo Grosso e 190 Paranaíba se valem do sensacionalismo e do humor negro para disseminar o preconceito e a intolerância. Se o jornalismo tem por função informar a sociedade a respeito dos fatos que nela ocorrem, que essa função seja feita de maneira madura a fim de que a sociedade seja efetivamente "informada" e não "enganada" por um discurso que mais deturpa a realidade social que informa sobre ela.
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
A Busca pelo Triunfo nos Filmes “Cisne Negro” e “O Vencedor”
Vencer, triunfar, atingir um determinado objetivo, eis uma das mais antigas características do ser humano: sonhar e lutar para realizar os seus sonhos. O ser humano sempre busca algo, sempre deseja algo, mas os caminhos para se chegar a tal fim nem sempre são fáceis e podem, por vezes, se transformarem em um tortuoso labirinto do qual pode não haver saída. Sobre essa busca pelo triunfo e pela realização pessoal, foram recentemente lançados dois filmes que, apesar de serem muito diferentes entre si, apresentam alguns pontos em comum: Cisne Negro e O Vencedor (ambos de 2010, EUA).
O jovem e já cultuado diretor Darren Aronofsky dirige Cisne Negro, um tenso e aterroizante thriller psicológico que conta a história de Nina (interpretada de forma genial por Natalie Portman), uma delicada bailarina que apresenta um sentimento de obsessão em alcançar a perfeição em sua arte. Quando a primeira bailarina da companhia de balé da qual Nina faz parte se aposenta, a personagem de Natalie Portman é escolhida pelo diretor da companhia, Thomas Leroy (Vicent Cassel), para estrelar uma nova montagem do balé O Lago dos Cisnes, do russo Tchaicovsky, no papel da Rainha Cisne, interpretando tanto o cisne branco quanto o cisne negro.
Nina quer interpretar o papel de forma perfeita e, para a realização de tal objetivo, irá mergulhar bem fundo no universo de O Lago dos Cisnes, especialmente no universo do cisne negro, universo sombrio e cheio de malícia. A dificuldade de Nina está no fato apontado pelo diretor Thomas, a saber, o fato de ela ser perfeita para o papel do cisne branco (ela é ingênua, delicada, meiga), mas precisa adquirir a essência do cisne negro (o poder de sedução, a malícia, o lado sombrio). Nina se espelha em várias personagens: na antiga primeira bailarina da companhia, Beth (Winona Ryder); na sua colega Lilly (Mila Kunis), com a qual nutre uma complexa relação de atração física, inveja e concorrência; e na sua mãe, Erica (interpretada brilhantemente por Barbara Hershey), uma bailarina frustrada que vê no sucesso da filha uma realização que ela própria não pôde alcançar passado.
Seguindo as exigências do diretor da companhia, Nina vai descobrir o sexo, a sedução e a malícia, características básicas para a composição do cisne negro. A meiga bailarina quase infantil, sobretudo porque sempre foi tratada como uma boneca pela mãe, vai aos poucos se tornando mulher, libertando-se de suas amarras interiores que lhe impediam de ser o cisne negro. Mas Nina acaba se prendendo a outras amarras, as amarras do desejo de perfeição. Com o objetivo de ser perfeita, Nina mergulha cada vez mais fundo no universo do cisne negro, mergulho o qual pode não ter volta.
O mundo do balé tal como representado
A obsessão pela perfeição artística de Nina espelha-se na perfeição estética do próprio filme dirigido por Aronofsky. Cisne Negro possui um elenco que não decepciona em momento algum, a fotografia do filme é escura e sombria (grande parte do filme se passa à noite), a direção de arte é impecável, os efeitos visuais são impressionantes, a edição é extremamente bem feita e o filme tem a duração exata, nem muito longo nem muito curto. Se Nina é arrebatada e absorvida pelo seu desejo de perfeição, o espectador de Cisne Negro é arrebatado e absorvido pelo universo paranoico da bailarina interpretada por Natalie Portman, sendo constantemente levado ao terror e à tensão de um mundo onde os espelhos refletem não apenas a realidade física, mas também o estado de espírito de uma mente à beira do colapso.
David O. Russell ainda não é tão cultuado quanto Aronofsky, mas pode vir a sê-lo a partir da sua direção de O Vencedor. Partindo de uma história baseada em fatos reais, Russell dirige esse filme de forma primorosa, fazendo dele uma obra tão interessante quanto Cisne Negro, ainda que de uma maneira diferente. O Vencedor conta a história de Micky Ward (Mark Wahlberg) e Dicky Ecklund (Christian Bale), dois irmãos que são ligados pelo boxe. Dicky foi um promissor boxeador no passado e chegou a enfrentar o campeão mundial Sugar Ray Leonard, mas jogou a sua carreira fora ao se viciar em drogas, especialmente no crack. Micky cresceu admirando o irmão e vivendo à sua sombra, uma vez que toda a família sempre privilegiou Dicky devido ao seu passado. Sendo treinado por Dicky, Micky é um boxeador em busca vitórias e conquistas no mundo do esporte, tendo que lidar com uma família desestruturada e que tenta controlar a sua vida.
Se Cisne Negro mostrou o lado sombrio do mundo do balé, ou seja, os acontecimentos aterrorizantes que se dão atrás das cortinas; O Vencedor, por sua vez, mostra o que há no mundo do boxe para além das glórias que se dão no ringue. Pode-se dizer até que o filme de David O. Russell não é um filme de boxe, mas uma obra que parte do mundo do boxe para tratar de conflitos humanos mais amplos. De qualquer modo, são duas obras que tratam do desejo de triunfar, de vencer, de superar os próprios limites e as dificuldades impostas pelo meio.
Mas O Vencedor difere de Cisne Negro em uns aspectos importantes. Se Natalie Portman faz a protagonista do filme de Aronofsky de modo a ser a grande estrela do filme, não havendo concorrentes para ela; Mark Wahlberg, apesar de não estar ruim, tem a sua atuação completamente ofuscada pelas extraordinárias atuações de Christian Bale e Melissa Leo. Bale está praticamente irreconhecível, sobretudo na primeira parte do filme, no papel de um viciado em crack que treina o irmão mais novo de uma forma muito negligente, atrasando-se constantemente nos treinos. Vale dizer que o ator realizou um primoroso trabalho de composição do personagem, sobretudo no que se refere ao gestual e ao visual extremamente magro. Melissa Leo, por sua vez, faz a autoritária e dominadora mãe de Dicky e Micky, uma mãe que empresaria a carreira do filho mais jovem de uma forma extremamente desorganizada.
Bale e Leo constroem seus personagens de modo que o espectador chega a sentir raiva deles, notadamente nos momentos em que eles mais atrapalham e desejam controlar a carreira de Micky. Mas os personagens Dicky e Alice também emocionam o espectador, espacialmente naquela que talvez seja uma das sequências mais tocantes dos últimos anos no cinema de Hollywood: a cena
Alguns paralelos entre os dois filmes podem ser traçados. O primeiro diz respeito às mães Erica (Bárbara Hershey), a mãe de Nina
Se Nina vive sufocada pela mãe no filme de Aronofsky, Micky vive sufocado por toda a sua família
Que o leitor não se engane. Micky não é um herói, tal qual Rocky Balboa o é em Rocky, Um Lutador (1976, EUA) e, apesar de o espectador torcer por ele durante as cenas de luta, não se chega às lágrimas ao fim do filme. O Vencedor expõe de forma não melosa os dramas das relações humanas que não aparecem nos ringues do mundo do boxe, o que gera um resultado muito interessante. A consagração de Micky ao fim do filme não é uma glória exclusiva dele, o personagem de Mark Wahlberg divide o seu triunfo com os outros personagens.
Esteticamente, O Vencedor e Cisne Negro são bastante diferentes. Como já foi dito, o filme de Aronofsky é marcado por um perfeccionismo estético impressionante. Por sua vez, a obra de Russell é de um realismo que beira o naturalismo: as camisetas estão sempre marcadas pelo suor; os cenários, carros, objetos e roupas são propositalmente simples, sujos, desarrumados e sem nenhum requinte; as pessoas da cidade são dolorosamente “bobas” e feias, passando ao espectador a exata imagem de uma pequena cidade abandonada onde parece existir uma deficiência mental/intelectual coletiva, em uma espécie de retrato feio da sociedade norte-americana. O Vencedor ainda é marcado por uma estética quase documental em alguns momentos, como nas cenas de luta onde as imagens foram feitas com o uso de câmeras televisivas.
Como se vê, Cisne Negro e O Vencedor são obras diferentes que apresentam alguns elementos
Por fim, temos que dizer que Aronofsky e Russell fizeram dois belos filmes, cada um a seu modo. Filmes que merecem ser assistidos com muita atenção e que são dignos das indicações e prêmios recebidos até aqui. Cisne Negro e O Vencedor: dois filmes sobre a busca humana pelo triunfo, no eterno desejo (e por que também não dizer “na eterna necessidade”?) de vencer e de se superar.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
O tema da vida após a morte sob a direção de Clint Eastwood: notas sobre "Além da Vida"
domingo, 16 de janeiro de 2011
Da Crítica Aberta ao Abraço no Sistema Capitalista: A Trajetória Artística e Ideológica da banda Charlie Brown Jr. no Contexto da Indústria Cultural
A banda brasileira de rock Charlie Brown Jr. foi formada na cidade de Santos, litoral de São Paulo, no ano de
No início da carreira o Charlie Brown Jr. contava com a presença de Chorão, no vocal; Champignon, no baixo; Renato Pelado, na bateria; Marcão, na guitarra; e Thiago Castanho, também na guitarra. A banda se destacou no cenário musical brasileiro ao apresentar uma sonoridade bastante própria, misturando hardcore, punk rock californiano, hip hop, reggae e rap. Com um ritmo envolvente e letras que faziam críticas a sociedade e apresentavam as perspectivas do jovem contemporâneo, o Charlie Brown Jr. logo chegou às paradas de sucesso.
O primeiro álbum da banda, Transpiração Contínua Prolongada, foi lançado, através da Virgin Records, em 1997, e, contou com a produção do lendário produtor musical Rick Bonadio. Mas foi com o segundo álbum, Preço Curto... Prazo Longo (1999), que a banda conquistou de vez boa parte do público jovem, principalmente devido ao fato de a canção Te Levar tornar-se a música de abertura do seriado Malhação, da TV Globo. Tal fato deu uma maior visibilidade à banda, uma vez que, a partir daquele momento, o Charlie Brown Jr. passou a ser conhecido, e, ouvido, pelas mais diversas camadas sociais.
Um exemplo do tipo de mensagem que o Charlie Brown Jr. transmitia, com suas músicas, pode ser verificado a partir de uns versos da canção Não é sério, música que esteve no terceiro álbum da banda, lançado em 2000 pela Virgin Records:
Eu sei como é difícil
Eu sei como é difícil acreditar
Mas essa porra um dia vai mudar
[...]
“O que eu consigo ver é só um terço do problema
É o Sistema que tem que mudar
Não se pode parar de lutar
Senão não muda
A Juventude tem que estar a fim
Tem que seu unir
O abuso do trabalho infantil, a ignorância
Só faz destruir a esperança
Na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério
Deixa ele viver... É o que liga”[1]
Através desses versos, podemos perceber que o Charlie Brown Jr. defendia a idéia da necessidade de se mudar o sistema capitalista, sistema vigente na sociedade brasileira. Nesse processo de transformação do sistema em um outro que fosse mais igualitário, a juventude deveria ter um papel central. Nesse sentido, a canção Não é sério convida os jovens a se unirem em uma luta coletiva por uma sociedade melhor, pois, somente assim, a juventude ganhará um maior respeito por parte da sociedade.
Já no álbum 100% Charlie Brown Jr. (2001), lançado pela grande gravadora EMI, o Charlie Brown Jr. apresentou uma excelente canção de protesto chamada Eu protesto, da qual extraímos os seguintes versos:
Foi você quem colocou eles lá
Mas eles não estão fazendo nada por vocês
Enquanto o povo vai vivendo de migalhas
Eles inventam outro imposto pra vocês
Aquela creche que deixaram de ajudar está por um fio
E a ganância está matando a geração 2000
E a sua tolerância está maior do que nunca agora...
Dormem sossegados os caras do Senado
Dormem sossegados os que fizeram esse estrago
Dormem sossegados os caras do Senado
Dormem sossegados os que pintaram esse quadro.[2]
Eu protesto, como se percebe, é uma canção que critica não só a classe política, mas também o próprio povo, que, afinal de contas, elegeu as pessoas que estão no poder. Criticando a tudo e a todos, a música denuncia a desigualdade social, a ganância dos poderosos, bem como a tolerância e passividade do povo brasileiro.
Já no álbum Bocas Ordinárias (2002), gravado pela EMI, o Charlie Brown Jr. trouxe a canção Papo Reto, na qual é descrito o comportamento e estilo da própria banda:
Você falou pra ela que eu sou louco e canto mal,
Que eu não presto, que eu sou um marginal,
Que eu não tenho educação,
Que eu só falo palavrão,
E pra socialite eu não tenho vocação...
Sei que isso tudo é verdade, mas
Eu quero que se foda essa porra de sociedade
Pago minhas contas, eu sou limpinho,
Não sou como você filho da puta, viadinho.[3]
Em 2002, o Charlie Brown Jr. já era uma banda de sucesso e tinha já um público bastante fiel. Mas mesmo com o sucesso e com o dinheiro, a banda continuava tendo uma cultura própria do seu lugar social de origem (a classe baixa), como observamos na letra de Papo Reto: falavam palavrões, não tinham educação, se identificavam com os marginais da sociedade, mas, a despeito de tudo isso, mostravam-se orgulhosos de pagar as próprias contas e não deverem nada a ninguém.
A banda continuou sua trajetória até que, no de 2005, Marcão, Renato Pelado e Champignon deixaram o Charlie Brown Jr., devido a divergências musicais com Chorão e com a gravadora. Thiago Castanho, que havia saído em 2000, voltou, na guitarra, sendo acompanhado de André Ruas, na bateria, e, Heitor Gomes, no baixo. No mesmo ano de
Imunidade Musical trouxe uma mudança radical no tipo de mensagem trazida pelo Charlie Brown Jr.. As letras passaram a ser mais politicamente corretas, os palavrões sumiram e as críticas ficaram extremamente leves. Um exemplo dessa mudança de tom é a canção Senhor do Tempo, da qual extraímos os seguintes versos:
Eu vi o tempo passar e pouca coisa mudar
Então tomei um caminho diferente
Tanta gente equivocada faz mal uso da palavra
Falam, falam o tempo todo, mas não tem nada a dizer
Mas eu tenho um santo forte e é incrível a minha sorte
Agradeço todo tempo ter encontrado você
O tempo é rei, a vida é uma lição
E um dia a gente cresce,
E conhece a nossa essência e
Ganha experiência
E aprende o que é raiz, então cria consciência.
Tem gente que reclama da vida o tempo todo
Mas a lei da vida é quem dita o fim do jogo
Eu vi de perto o que neguinho é capaz por dinheiro
Eu conheci o próprio lobo na pele de um cordeiro
Infelizmente a gente tem que tá ligado o tempo inteiro,
Ligado nos pilantras e também nos bagunceiros
[...]
Vivendo nesse mundo louco hoje só na brisa
Viver pra ser melhor, também é um jeito de levar a vida
[...]
Vem que o bom astral vai dominar o mundo
Eu já briguei com a vida
Hoje eu vivo bem com todo mundo aí
Na maior moral é Charlie Brown.[4]
Quão diferente é essa letra em relação às letras dos primeiros álbuns da banda! A mensagem trazida aqui é a de que o sistema capitalista não pode ser vencido, cabendo a cada um escolher o seu próprio caminho. O gesto de reclamar é visto como algo que não adianta mais nada, cada um deve lutar para chegar aonde se deseja, mas de lutar de uma forma madura e serena. Outro dado interessante é a desconfiança para com os “pilantras” e os “bagunceiros”, personagens sociais com os quais o Charlie Brown Jr. se identificava no início da carreira. Senhor do Tempo traz as marcas da perda dos ideais rebeldes da juventude. Trata-se de uma canção que traz claramente as mudanças no comportamento de Chorão, vocalista da banda, que, conforme foi envelhecendo, foi ficando cada vez mais politicamente correto ao longo da carreira.
Em 2009, o Charlie Brown Jr. saiu da EMI e assinou um contrato com a Sony Music, outra grande gravadora. No mesmo ano foi lançado, com a nova gravadora, o álbum Camisa 10 Joga Bola Até na Chuva, no qual a banda mergulhou de vez no politicamente correto. Desse álbum, no qual Bruno Graveto substituiu André Ruas na bateria, trazemos aqui uns versos de uma canção também chamada Camisa 10 Joga Bola Até na Chuva:
É assim que eu quero ser, sim, um cara melhor
Não melhor do que ninguém, mas o melhor que eu puder ser
O tempo passa e tudo muda e você tem que entender
Que existem vários caminhos, escolha um pra você
Você tem o dom da voz, você tem o poder
De prosperar, de evoluir e de fazer acontecer
De prosperar, de evoluir e de fazer acontecer
Entenda como se comportam os homens
Não se respeitam e não se tratam como irmãos
Pois quase tudo gira em torno de poder
E sufocado eu me liberto nessa canção
Então faça o que tiver que fazer
Busque a evolução e se liberte
Não fique aí perdido no espaço
Pois ficar só reclamando é muito fácil
Você nasceu para brilhar, o sol está em suas mãos
[...]
Camisa 10 joga bola até na chuva
[...]
Sólido na volta, por cima, eu vou com tudo
Pode anunciar e convidar todo mundo
Nessa vida eu quero amor, paz, sossego e liberdade
Charlie Brown Jr. invadindo a cidade.[5]
Como se observa, o discurso politicamente correto aqui está fortemente presente. A mensagem trazida pela música é a de que é preciso amadurecer na vida, parar de reclamar, e, começar a agir. Não se deixa de reconhecer que o mundo e a nossa sociedade possuem problemas, mas o que se defende é que é preciso se adaptar às regras da sociedade. Com um tom motivador, a música traz a idéia que não importa o quanto esteja chovendo, um verdadeiro camisa 10 sempre é capaz de jogar bem e vencer no jogo da vida. Devemos nos comportar como um camisa 10... Portanto, o que se busca agora não é mais uma mudança no sistema, mas sim a conquista de uma vida melhor (entenda-se a compra de bens de consumo) dentro do próprio sistema. Todavia, os caminhos a serem trilhados devem ser sempre caminhos individuais e não coletivos, tal como era pregado pelo Charlie Brown Jr. na música Não é sério, o que mostra a presença de um forte individualismo, elemento muito presente na nossa sociedade capitalista.
Em suma, temos que a trajetória artística e ideológica da banda Charlie Brown Jr. é representativa de como a indústria cultural se apropria de artistas engajados politicamente, moldando-os ao seu gosto. O Charlie Brown Jr. começou sua trajetória criticando a sociedade, denunciando os problemas sociais e incentivando a juventude a exercer o seu papel transformador na história, mas, com o decorrer dos últimos anos a banda abraçou o sistema, adotando uma postura politicamente correta, defendendo que todos possuem capacidade de vencer na vida, mas dentro do próprio sistema, é claro.
Essa mudança de comportamento é própria de uma banda que conseguiu o seu espaço na mídia, vendeu muitos discos, ganhou muito dinheiro, enfim, conseguiu vencer dentro do sistema. É por isso que o Charlie Brown Jr. tem abraçado o sistema, uma vez que a banda de Chorão conseguiu tudo o que tem graças ao próprio sistema.
[1] CHARLIE BROWN JR. Não é sério. In: ______. Nadando com os Tubarões. São Paulo: Virgin Records, 2000.
[2] CHARLIE BROWN JR. Eu protesto. In: ______. 100% Charlie Brown Jr.
[3] CHARLIE BROWN JR. Papo Reto. In: ______. Bocas Ordinárias. São Paulo: EMI, 2002.
[4] CHARLIE BROWN JR. Senhor do Tempo. In: ______. Imunidade Musical. São Paulo: EMI, 2005.
[5] CHARLIE BROWN JR. Camisa 10 Joga Bola Até na Chuva. In: _____. Camisa 10 Joga Bola Até na Chuva. São Paulo: Sony Music, 2009.