sexta-feira, 20 de maio de 2011

"Os Agentes do Destino": uma ótima dica de cinema


Há uma semana entrou em cartaz no Brasil um filme bastante interessante, uma obra que infelizmente não tem chamado muita atenção por parte da mídia, uma vez que concorrer com filmes como Velozes & Furiosos 5, Thor, Piratas do Caribe - Navegando em Águas Misteriosas e Padre é difícil, já que esses filmes possuem um maior apelo comercial. Todavia, o fato é que a obra Os Agentes do Destino (2011, Estados Unidos) é um filme que merece ser visto, uma película que permite uma rica reflexão sobre a História.
Os Agentes do Destino é uma mistura de romance, ficção científica e religião. Dirigido por George Nolfi (em uma excelente estreia como diretor), que também assina o roteiro (baseado em um conto de Philip K. Dick, autor que já havia inspirado filmes como Blade Runner - O Caçador de Androides e Minority Report - A Nova Lei); o filme nos conta a história de David Norris (interpretado pelo carismático e sempre competente Matt Damon), um político que após perder a disputa eleitoral para o Senado, em decorrência de um escândalo, acaba por conhecer e se apaixonar por uma linda mulher chamada Elise (interpretada pela belíssima e talentosa Emily Blunt). A atração entre os dois é extremamente forte, porém, Norris acaba descobrindo que toda a sua vida segue um plano que já está definido. Pior, Norris descobre que Elise está fora desse plano, e que ele não deve ficar com ela.
O que o protagonista deve fazer? Ao longo da trama, Norris descobre que ir contra o que está planejado pelo "Presidente" (que aparentemente é Deus) pode interferir negativamente no seu futuro político e no futuro artístico de Elise, que é uma dançarina. Isso sem falar que não seguir o plano é uma atitude complicada, uma vez que os Agentes, homens que estão a serviço do "Presidente" e que possuem por missão garantir que o plano seja seguido, sempre aparecem na sua vida e interferem nas coisas, através de seus poderes fantásticos. Apesar desses obstáculos, o nosso herói vai enfrentar os desígnios do destino e lutará para ficar ao lado da mulher que ama.
Uma história dessas poderia resultar em um simples romance meloso, mas felizmente não é o que Nolfi nos proporciona. O diretor fez de Os Agentes do Destino um filme que aproveita ao máximo os talentos de seus atores e que, através de boas cenas de perseguição, da simplicidade dos seus efeitos visuais/especiais e da inteligência do seu roteiro e da sua montagem, aparece para o espectador como sendo uma ótima oportunidade de refletir sobre a História.
Em primeiro lugar, a questão de existir um plano a ser seguido em nossas vidas suscita um tema ligado à Filosofia da História, a saber, o debate sobre o sentido da História. Há ou não um sentido para o processo histórico que se desenrola ao longo dos séculos? Ao descobrir que há um plano para sua vida (se tornar presidente dos Estados Unidos), Norris descobre que há um sentido predeterminado para a sua história de vida, uma dolorosa descoberta.
Em segundo lugar, temos no filme a questão do papel do sujeito na História. Se há um sentido para a sua vida que já está definido, o que fazer diante disso? Ao longo do filme, vemos o personagem de Damon tomar as rédeas do seu destino, sair dos caminhos designados pelo plano, desafiar os Agentes e o Presidente, tudo pelo seu amor por Elise. É o sujeito que atua na História, lutando contra forças maiores que querem pensar e agir por ele.
Em terceiro lugar, temos em Os Agentes do Destino a questão da continuidade/descontinuidade na História. George Nolfi trabalha esse tema de uma forma bela e inteligente, através dos cadernos dos Agentes. Nesses cadernos há uma infinidade traços que mostram o curso da vida de Norris, o caminho que deve ser seguido por ele. Mas quando o protagonista toma uma atitude contrária ao plano, toma um caminho diferente, vemos surgirem nas folhas dos cadernos traços novos que mostram que ele se desviou. Os desenhos que mostravam o caminho contínuo ganham traços que mostram as rupturas e as descontinuidades.
Por fim, mas não menos importante, temos o acaso. E aqui está uma das grandes sacadas do filme. Apesar de existir um plano a ser seguido e Agentes poderosos que trabalham exaustivamente para que tudo aconteça de acordo com tal plano, há algo que nem os Agentes e nem o "Presidente" podem controlar: o acaso. Apesar de Elise não estar no plano de sua vida, Norris a encontra pelas ruas. Toda a estrutura de poder ligada aos Agentes revela-se frágil diante do acaso, elemento que muitas vezes se fez e se faz presente na História da humanidade.
Emocionando no romance, nos deixando tensos nas cenas de perseguição, tendo um bom toque de ficção científica e sendo um filme escrito e dirigido com inteligência, Os Agentes do Destino merece ser visto. Filme interessante e que permite que o espectador reflita, tem um final que, apesar da dose de deus ex machina, nos estimula à ação: a folha que mostra o plano da vida de Norris fica em branco, ele está pronto para seguir sua vida com autonomia, está apto para o exercício da liberdade. Não deveria ser esse o fim almejado por todos nós, a liberdade?
É por tudo isso que digo: se Os Agentes do Destino estiver em cartaz na sua cidade, vá ao cinema e assista, pois vale muito a pena!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Hipocrisia e Preconceito

Nas últimas semanas o debate sobre o preconceito no Brasil se intensificou consideravelmente. Das declarações polêmicas do deputado Jair Bolsonaro até o recente reconhecimento da união estável de casais homossexuais por parte do STF, muito se tem falado sobre discriminação racial e de orientação sexual. Como observador da realidade social acho extremamente válido que a sociedade esteja discutindo temas tão importantes como esses. Todavia, e há sempre um todavia, há algo errado em toda essa discussão, há uma hipocrisia que impera nos discursos supostamente defensores da diversidade e do respeito às diferenças.
Saia pelas ruas perguntando às pessoas se elas são racistas. Você possivelmente ouvirá uma sequência de sonoras respostas negativas, “Racista, eu? De jeito nenhum!”, dirá a maioria. Pergunte a essas mesmas pessoas se elas conhecem alguém que é racista. “Sim, conheço sim!”, muitos possivelmente responderão. Ninguém se confessa racista, mas todos conhecem alguém que é racista. Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que há algo errado aí: afinal de contas, onde estão os racistas?
No caso do reconhecimento, por parte do STF, da união estável de casais homossexuais, temos visto recentemente muitas manifestações de apoio, muitas afirmações de que “esse foi um passo importante na luta contra o preconceito”. Não quero diminuir aqui a importância dessa conquista do movimento gay, que já afirmou que também continuará lutando pela criminalização da homofobia, mas duvido que tal medida do STF vá acabar com o preconceito. O racismo, por exemplo, foi criminalizado no Brasil, mas apesar da existência de tal lei, o preconceito racial ainda existe no nosso país. Se alguém ainda duvida disso, peço que converse com algum(a) negro(a) para confirmar o que estou dizendo.
O problema parece estar no fato de que a sociedade brasileira quer resolver tudo por meio de leis, através do aparato jurídico, quando o correto seria investir em um sistema de educação que preparasse as pessoas para o convívio com o que lhes é diferente. As ciências humanas poderiam inclusive auxiliar muito essa educação para a diversidade. Dessa forma, o preconceito poderia ser combatido de forma mais consistente, deixando de simplesmente ser varrido para debaixo do tapete da hipocrisia.
Digo isso porque nossa sociedade tem sido bastante hipócrita em todos esses debates. Muitos dos que dizem concordar com o reconhecimento da união estável de casais homossexuais não aceitariam se um de seus filhos fosse gay. Muitos dos que dizem que não são racistas não aceitam pessoas de outras etnias em determinados espaços e ocasiões, preferem virar o rosto, evitar a aproximação. Neste sentido, é possível acusar o deputado Bolsonaro e todos os “religiosos” que se opuseram à medida do STF de serem preconceituosos, mas temos que reconhecer que hipócritas eles não são.
Não se trata de defender as pessoas preconceituosas, mas apenas de salientar o fato de que, muitas vezes, as mesmas pessoas que defendem o respeito à diversidade não conseguem conviver com opiniões diferentes das suas: o gay que levanta a bandeira da liberdade de orientação sexual, opõe-se fortemente à liberdade de opinião alheia, quer criminalizar o posicionamento do outro. Não há aí dois pesos e duas medidas? Os gays possuem sim o direito de serem gays, não devem ser barrados de lugares, não devem ser impedidos de exercerem determinados cargos nas empresas onde trabalham, devem ter o casamento gay permitido pela legislação, devem ter a liberdade de se beijarem em público sem serem constrangidos por isso.
Mas as pessoas que são contra o homossexualismo também devem ter o direito de se manifestarem. O que deve ser combatida é a violência física e psicológica muitas vezes praticada contra os gays, mas não o direito de dizer “Acho estranho o homossexualismo”. Não sejamos hipócritas, tudo o que nos é diferente gera estranhamento, eu mesmo acho esquisitas determinadas “cenas” que vejo pelas ruas, mas não saio por aí espancando homossexuais, tenho inclusive colegas de faculdade que são gays e procuro sempre respeitá-los, convivo com eles e até brinco com eles. O que não posso tolerar é o discurso politicamente correto do respeito às diferenças que, apesar de tentar defender a diversidade, acaba por provocar o efeito inverso que é exatamente a tentativa de homogeneizar a opinião pública, discriminando posturas diferentes.
Os gays têm o direito de serem gays, podendo exercer os direitos e deveres de qualquer cidadão brasileiro, mas isso não deve acabar com o direito à liberdade de opinião dos que são são contra o homossexualismo. O que se pede aqui é que as discussões sobre a diversidade cultural, étnica, de orientação sexual etc. sejam feitas através do diálogo aberto, sem violência, onde possamos aprender a melhor conviver com o que nos é diferente, sem que tenhamos que abdicar integralmente das nossas posturas individuais em nome de um pretenso país coeso, harmonioso e sem conflitos. Dessa forma, a hipocrisia poderia deixar de ser praticada, como diria aquela música do Skank: "Se você não gosta dele / Diga logo a verdade / Sem perder a cabeça / Sem perder a amizade..."