segunda-feira, 16 de abril de 2018

Meu Vô Chico sempre comigo!




Apesar de sabermos, desde pequenos, que um dia todos nós morreremos, é difícil estar preparado para a morte de alguém que amamos muito. Ao longo da vida criamos uma ilusão segundo a qual as outras pessoas são nossas: gostamos de dizer “o meu pai”, “a minha mãe”, “os meus avós”, “os meus filhos”, “a minha esposa”, etc. Mas as outras pessoas não nos pertencem, elas não são, de fato, “nossas”. Cada ser humano chega a este mundo, convive com os outros, constrói relações, passa por várias experiências e, após algum tempo, falece. Não há nada que se possa fazer em relação a isso. Quando alguém que amamos deixa este mundo, nós sofremos porque nos damos conta da ilusão sob a qual vivíamos. Finalmente percebemos que aquela pessoa não era uma propriedade nossa e que, aceitemos o fato ou não, o tempo dela neste mundo chegou ao fim.

Quando eu era criança, o meu Vô Chico era para mim o homem mais incrível do mundo. Mesmo estando na terceira idade e sendo aposentado, ele ainda continuou trabalhando durante vários anos como jardineiro, em Monte Carmelo-MG. O trabalho era para ele uma das coisas mais importantes da vida. O meu avô era um homem muito forte, e todos se impressionavam com o fato de que ele conseguia fazer coisas que mesmo os mais jovens não davam conta. Honesto, alegre e humilde, meu avô se dava muito bem com todo mundo e, não por acaso, ele conquistou a admiração e o respeito de muitas pessoas na cidade.

Duas pequenas histórias ajudam a dar a dimensão da grandeza do meu avô.

Quando trabalhava como jardineiro, era comum que ele passasse boa parte do dia fora, às vezes atendendo até mais de uma casa. Por isso, ele costumava levar algum dinheiro no bolso para o caso de precisar comprar algo para comer durante o dia, pois nem sempre os proprietários das casas lhe forneciam o almoço. Mas em várias oportunidades, ao estar andando pelas ruas e se deparar com alguma pessoa pedindo dinheiro, o meu avô logo tirava o que estava carregando no bolso e dava para a pessoa. E fazendo isso, não era raro que ele passasse o dia todo sem comer, afinal, os “patrões” geralmente só o pagavam pelo trabalho ao final do dia. E mesmo ficando sem comer, ele se sentia alimentado depois de realizar a boa ação: “Eu nunca senti fome depois de ajudar uma pessoa na rua”, ele me contou várias vezes.

O meu avô tinha o coração do tamanho do universo. Durante as minhas últimas férias em Monte Carmelo, nós estávamos conversando sobre diversos assuntos quando, de repente, começamos a falar sobre os problemas sociais existentes no mundo e a questão da pobreza. Em um dado momento, ele me olhou fixamente nos olhos e disse: “Por que será que tem tanta gente passando fome no mundo? Eu fico numa dó desse povo, sabe, Rodrigo... Das crianças principalmente. Por que será que o mundo tem que ser desse jeito?”. E naquele momento, os olhos dele se encheram d’água, tamanha a sua tristeza em relação ao problema da desigualdade social. Para alguém tão generoso e que sempre estava disposto a ajudar os outros, era difícil para ele compreender o porquê de alguns homens viverem com muito enquanto muita gente vivia com tão pouco. Meu avô simplesmente não conseguia entender as razões de existir tanta ganância e egoísmo em nosso planeta.

Eu poderia ficar aqui recordando várias outras histórias a respeito do meu avô. Mas acho que os fatos narrados acima já são suficientes para mostrar o quanto ele era um homem bom, de coração puro e cheio de generosidade. Meu Vô Chico foi o ser humano mais iluminado que eu conheci e, embora eu soubesse que um dia ele iria falecer, a minha mente sempre se recusou a pensar demais no assunto, como se no fundo eu acreditasse que o meu avô pudesse, como que por algum milagre, viver para sempre com todos nós aqui na Terra. É verdade que, nos últimos anos, ao perceber que o meu avô estava envelhecendo e ficando com a saúde mais frágil, eu comecei a me dar conta de que, mais dia menos dia, eu teria que lidar com a notícia da sua morte. De qualquer maneira, foi impossível me preparar totalmente para isso. A ilusão teimava em continuar existindo, como normalmente acontece com a maioria das pessoas.

Hoje completou um mês que o meu Vô Chico faleceu. No último dia 16 de março, chegou ao fim a ilusão de que o meu avô “me pertencia”. Após cumprir sua jornada na Terra, ele foi chamado de volta aos braços do Pai. Sua partida deixou um buraco enorme no meu coração, e para sempre terei que lidar com a saudade que vou sentir dele, isto é um fato. Mas passados alguns dias de sua morte, tenho pensado muito sobre a sua vida e sobre os exemplos que ele deixou para todos nós. Tenho refletido muito sobre tudo isso e cheguei à conclusão de que não há motivos para eu ficar triste.

Não, não pode haver tristeza quando o assunto é o meu Vô Chico. Este é um sentimento absolutamente incompatível com a beleza do seu sorriso, o seu inesquecível sorriso que ficará para sempre em minha memória. Não posso ficar triste com sua morte porque, em minha Fé, eu sei que ele está em um lugar muito bonito agora, um lugar bem melhor que este mundo em que vivemos. O que morreu foi o seu corpo físico, não o seu espírito. A alma de meu avô vive e descansa em paz agora. Quando fecho os olhos, consigo ver perfeitamente o meu avô caminhando por um lugar repleto de flores e árvores, com pássaros cantando e muito verde ao redor. Neste lugar, eu sei que meu avô pode caminhar o quanto quiser, afinal, suas pernas não doerão mais, a fadiga não o incomodará novamente e seus pulmões não ficarão sem ar, pois estes problemas que o incomodavam tanto em seus últimos anos de vida terrena agora não podem mais alcançá-lo. O meu avô está livre de qualquer limitação terrena. Eu gosto de imaginar as coisas dessa forma, e encarar a morte de meu avô desta maneira tem me dado muitas forças. A certeza de que ele está em um lugar melhor agora acalma o meu coração. 

O meu avô está bem, eu sei disso!

E se ele está bem, não há motivos, portanto, para ficar triste. A saudade sim é algo inevitável, que continuará machucando um bocado o meu coração durante muito tempo, mas não sinto que eu deva ficar triste por causa da morte do meu avô. Afinal, não há agora sequer barreiras físicas entre mim e ele. Se antes eu tinha que viajar pouco mais de cem quilômetros para vê-lo e sentir sua presença, agora, eu sinto que em espírito o meu avô está sempre comigo. Este sentimento me conforta e me dá forças para seguir em frente. Deus foi bom comigo ao permitir que eu pudesse conviver com o meu avô por muitos anos, e Deus continua sendo bom comigo ao me proporcionar a sensação de que o meu avô permanece ao meu lado. Por tudo isso, eu sou grato a Deus e não me sinto no direito de ficar triste.

Nestes últimos dias, tenho me lembrado muito de algo que o escritor Guimarães Rosa uma vez escreveu: “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer.” O que aprendi com essas palavras é que a ausência física do meu avô pode até me fazer sentir saudade, mas nunca pode me deixar triste, pois eu sei que uma das coisas que meu avô mais gostava era ver seus familiares alegres e sorrindo. Assim, espero continuar tendo forças para seguir sorrindo e alegre, afinal, creio que Deus e meu avô ficarão contentes com isso.

Termino este texto com uns versos que eu mesmo escrevi há alguns dias atrás. Eles sintetizam bem o fato de que, se por um lado a morte nos afasta fisicamente daqueles que amamos, por outro lado o amor e a memória permitem que aqueles que amamos sempre estejam conosco. Ter meu avô sempre comigo é uma dádiva, o mais bonito de todos os presentes. E novamente, sou grato a Deus por isso...

“Quando você que eu tanto amava
Neste mundo vivia
Se perto de você eu estava
A sua presença eu sentia.

Agora você que eu ainda amo
Neste mundo não mais está
Mas posso sentir sua presença comigo
Sempre, em qualquer lugar.”


Uberlândia-MG, 16 de abril de 2018