quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Jornalismo Televisivo Policial em Uberlândia: a crueldade de um discurso

A cidade de Uberlândia possui algumas emissoras de TV que cuidam da cobertura de notícias da cidade e da região. Há alguns anos o jornalismo policial nessas emissoras vem ganhando destaque, mas, para além do caráter informativo, os programas dessa natureza são marcados pelo preconceito, pelo sensacionalismo e pela cobertura simplista e dicotômica da realidade social. Gostaria, neste texto, de tecer algumas considerações a respeito de dois desses programas: o Chumbo Grosso, da TV Vitoriosa (afiliada SBT) e o 190 Paranaíba, da TV Paranaíba (afiliada Record).

O Chumbo Grosso é apresentado por André Silva, indo ao ar de segunda à sexta entre as 7h e 8h da manhã. Tão sugestiva quanto o nome do programa é a vinheta do mesmo, na qual vemos o nome do programa e o desenho de uma mira de arma de fogo. O programa cobre as diversas ocorrências policiais da cidade e da região: roubos, furtos, acidentes de trânsito, brigas, assassinatos, tráfico de drogas, casos de violência contra a criança etc. A principal característica do referido programa é o uso cruel das imagens mais fortes que a violência urbana pode proporcionar. Os corpos de homens e mulheres assassinados são friamente mostrados pela câmera que faz o uso de closes para mostrar os ferimentos provocados por balas e facas, bem como o chão sujo de sangue. O sensacionalismo de Chumbo Grosso não respeita as pessoas assassinadas e nem os familiares dessas pessoas, já que todo criminoso certamente possui um pai, uma mãe, uma família ou alguém que chora sua morte. O programa da TV Vitoriosa mostra os corpos humanos como se fossem meros objetos, sem respeito, sem humanidade, sem solidariedade. André Silva também faz, em muitos momentos, o uso de humor sarcástico para falar dos criminosos que aparecem no programa. Não há nenhuma tentativa de compreensão dos caminhos que levam alguém ao mundo do crime, apenas a fala simplista e dicotômica que representa o criminoso como inimigo da sociedade, sociedade essa que possui pessoas do "bem" e pessoas do "mal".

Por sua vez, o 190 Paranaíba, apresentado pelo Magoo, faz por merecer o nome que possui: 190. Cobrindo os mesmos tipos de fatos que o Chumbo Grosso e marcado por um humor bem mais negro, o 190 Paranaíba também vai ao ar pela manhã, das 7h45 às 8h45. O 190 não mostra imagens tão fortes quanto o Chumbo Grosso, mas também é marcado por um discurso bastante cruel. Aqui, os criminosos são rotulados como inimigos da sociedade e dos "homens de bem". Maggo não perde nenhuma oportunidade de fazer um jogo da velha com os dedos das mãos (simbolizando a cadeia) e falar "190 neles", um de seus bordões. O criminoso é representado como alguém que deve ser caçado e preso. O humor negro do programa chega ao nível de dar a "Comenda Mala Sem Alça" para indivíduos que cometeram certos crimes. Pessoas alcoolizadas também são constantemente ridicularizadas e humilhadas pelas imagens e entrevistas do programa. Mas talvez o elemento mais cruel do discurso veiculado pelo 190 Paranaíba esteja, de fato, no início do programa. Sempre no início, o apresentador Magoo recebe uma "visita" de um outro comunicador da emissora que está segurando uma ratoeira gigante. O que está escrito na ratoeira? Nada mais nada menos que os dizeres "Big Mouse Trap" e "190 Paranaíba". A ratoeira sugere que o programa mostrará os "ratos da sociedade", ou seja, os criminosos, sendo capturados. Qualquer semelhança com o discurso nazista de Adolf Hitler, segundo o qual os judeus eram os "ratos" que infestavam a sociedade alemã, não é mera coincidência.

A sociedade brasileira contemporânea vive um momento no qual a violência urbana parece cada vez mais próxima e intensa. O "medo do outro" é um sentimento cada vez mais intenso. Se crimes existem, que sejam investigados e que os criminosos sejam punidos. Denunciar a crueldade do discurso do jornalismo televisivo policial não significa "passar a mão na cabeça" dos assassinos e ladrões que existem na sociedade. Todavia, a forma da sociedade lidar com o mundo do crime precisa mudar. Os criminosos não são inimigos da sociedade, são pessoas que entraram no mundo do crime pelos mais variados motivos, motivos esses que os programas televisivos aqui analisados não mostram. Nesse sentido, ao invés de informar sobre a complexidade da realidade social, os referidos programas perpetuam uma imagem simplista da sociedade, imagem na qual as "classes perigosas" são completamente destituídas da sua condição de seres humanos, sendo tratadas como objetos ou como "ratos". Ao invés de informar, de maneira responsável, sobre as ocorrências policiais, Chumbo Grosso e 190 Paranaíba se valem do sensacionalismo e do humor negro para disseminar o preconceito e a intolerância. Se o jornalismo tem por função informar a sociedade a respeito dos fatos que nela ocorrem, que essa função seja feita de maneira madura a fim de que a sociedade seja efetivamente "informada" e não "enganada" por um discurso que mais deturpa a realidade social que informa sobre ela.  

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A Busca pelo Triunfo nos Filmes “Cisne Negro” e “O Vencedor”

Vencer, triunfar, atingir um determinado objetivo, eis uma das mais antigas características do ser humano: sonhar e lutar para realizar os seus sonhos. O ser humano sempre busca algo, sempre deseja algo, mas os caminhos para se chegar a tal fim nem sempre são fáceis e podem, por vezes, se transformarem em um tortuoso labirinto do qual pode não haver saída. Sobre essa busca pelo triunfo e pela realização pessoal, foram recentemente lançados dois filmes que, apesar de serem muito diferentes entre si, apresentam alguns pontos em comum: Cisne Negro e O Vencedor (ambos de 2010, EUA).

O jovem e já cultuado diretor Darren Aronofsky dirige Cisne Negro, um tenso e aterroizante thriller psicológico que conta a história de Nina (interpretada de forma genial por Natalie Portman), uma delicada bailarina que apresenta um sentimento de obsessão em alcançar a perfeição em sua arte. Quando a primeira bailarina da companhia de balé da qual Nina faz parte se aposenta, a personagem de Natalie Portman é escolhida pelo diretor da companhia, Thomas Leroy (Vicent Cassel), para estrelar uma nova montagem do balé O Lago dos Cisnes, do russo Tchaicovsky, no papel da Rainha Cisne, interpretando tanto o cisne branco quanto o cisne negro.

Nina quer interpretar o papel de forma perfeita e, para a realização de tal objetivo, irá mergulhar bem fundo no universo de O Lago dos Cisnes, especialmente no universo do cisne negro, universo sombrio e cheio de malícia. A dificuldade de Nina está no fato apontado pelo diretor Thomas, a saber, o fato de ela ser perfeita para o papel do cisne branco (ela é ingênua, delicada, meiga), mas precisa adquirir a essência do cisne negro (o poder de sedução, a malícia, o lado sombrio). Nina se espelha em várias personagens: na antiga primeira bailarina da companhia, Beth (Winona Ryder); na sua colega Lilly (Mila Kunis), com a qual nutre uma complexa relação de atração física, inveja e concorrência; e na sua mãe, Erica (interpretada brilhantemente por Barbara Hershey), uma bailarina frustrada que vê no sucesso da filha uma realização que ela própria não pôde alcançar passado.

Seguindo as exigências do diretor da companhia, Nina vai descobrir o sexo, a sedução e a malícia, características básicas para a composição do cisne negro. A meiga bailarina quase infantil, sobretudo porque sempre foi tratada como uma boneca pela mãe, vai aos poucos se tornando mulher, libertando-se de suas amarras interiores que lhe impediam de ser o cisne negro. Mas Nina acaba se prendendo a outras amarras, as amarras do desejo de perfeição. Com o objetivo de ser perfeita, Nina mergulha cada vez mais fundo no universo do cisne negro, mergulho o qual pode não ter volta.

O mundo do balé tal como representado em Cisne Negro é sombrio e, por vezes, aterroriza o espectador. A obra de Aronofsky mostra o mundo do balé com toda a sua beleza (a música, os cenários, a coreografia, o figurino e a maquiagem), mas também, e principalmente, com tudo o que acontece nos bastidores e que não se vê no palco (os ferimentos, o sangue, os ossos que estalam, as sapatilhas apertadas, os pés deformados, a concorrência entre as bailarinas, o diretor mulherengo que se aproveita das bailarinas, as pressões exteriores e interiores). Dentro desse contexto, Nina perde a sua sanidade mental e vai para um universo que se situa entre a realidade e a fantasia, entrando em uma sinistra dança com a loucura e com a esquizofrenia. Nina buscará se libertar dos seus medos e da sua insegurança, rumo à arte perfeita e à tragédia: a plena realização da perfeição artística virá junto com a autodestuição.

A obsessão pela perfeição artística de Nina espelha-se na perfeição estética do próprio filme dirigido por Aronofsky. Cisne Negro possui um elenco que não decepciona em momento algum, a fotografia do filme é escura e sombria (grande parte do filme se passa à noite), a direção de arte é impecável, os efeitos visuais são impressionantes, a edição é extremamente bem feita e o filme tem a duração exata, nem muito longo nem muito curto. Se Nina é arrebatada e absorvida pelo seu desejo de perfeição, o espectador de Cisne Negro é arrebatado e absorvido pelo universo paranoico da bailarina interpretada por Natalie Portman, sendo constantemente levado ao terror e à tensão de um mundo onde os espelhos refletem não apenas a realidade física, mas também o estado de espírito de uma mente à beira do colapso.

David O. Russell ainda não é tão cultuado quanto Aronofsky, mas pode vir a sê-lo a partir da sua direção de O Vencedor. Partindo de uma história baseada em fatos reais, Russell dirige esse filme de forma primorosa, fazendo dele uma obra tão interessante quanto Cisne Negro, ainda que de uma maneira diferente. O Vencedor conta a história de Micky Ward (Mark Wahlberg) e Dicky Ecklund (Christian Bale), dois irmãos que são ligados pelo boxe. Dicky foi um promissor boxeador no passado e chegou a enfrentar o campeão mundial Sugar Ray Leonard, mas jogou a sua carreira fora ao se viciar em drogas, especialmente no crack. Micky cresceu admirando o irmão e vivendo à sua sombra, uma vez que toda a família sempre privilegiou Dicky devido ao seu passado. Sendo treinado por Dicky, Micky é um boxeador em busca vitórias e conquistas no mundo do esporte, tendo que lidar com uma família desestruturada e que tenta controlar a sua vida.

Se Cisne Negro mostrou o lado sombrio do mundo do balé, ou seja, os acontecimentos aterrorizantes que se dão atrás das cortinas; O Vencedor, por sua vez, mostra o que há no mundo do boxe para além das glórias que se dão no ringue. Pode-se dizer até que o filme de David O. Russell não é um filme de boxe, mas uma obra que parte do mundo do boxe para tratar de conflitos humanos mais amplos. De qualquer modo, são duas obras que tratam do desejo de triunfar, de vencer, de superar os próprios limites e as dificuldades impostas pelo meio.

Mas O Vencedor difere de Cisne Negro em uns aspectos importantes. Se Natalie Portman faz a protagonista do filme de Aronofsky de modo a ser a grande estrela do filme, não havendo concorrentes para ela; Mark Wahlberg, apesar de não estar ruim, tem a sua atuação completamente ofuscada pelas extraordinárias atuações de Christian Bale e Melissa Leo. Bale está praticamente irreconhecível, sobretudo na primeira parte do filme, no papel de um viciado em crack que treina o irmão mais novo de uma forma muito negligente, atrasando-se constantemente nos treinos. Vale dizer que o ator realizou um primoroso trabalho de composição do personagem, sobretudo no que se refere ao gestual e ao visual extremamente magro. Melissa Leo, por sua vez, faz a autoritária e dominadora mãe de Dicky e Micky, uma mãe que empresaria a carreira do filho mais jovem de uma forma extremamente desorganizada.

Bale e Leo constroem seus personagens de modo que o espectador chega a sentir raiva deles, notadamente nos momentos em que eles mais atrapalham e desejam controlar a carreira de Micky. Mas os personagens Dicky e Alice também emocionam o espectador, espacialmente naquela que talvez seja uma das sequências mais tocantes dos últimos anos no cinema de Hollywood: a cena em que Dicky começa a cantarolar “I Started a Joke”, dos Bee Gees, para a mãe e ela começa a cantar também. A música representa perfeitamente o que Dicky virou para a cidade: uma piada.

Alguns paralelos entre os dois filmes podem ser traçados. O primeiro diz respeito às mães Erica (Bárbara Hershey), a mãe de Nina em Cisne Negro, e Alice (Melissa Leo), a mãe de Dicky e Micky em O Vencedor. Erica é uma mãe que trata a filha como uma frágil boneca, projetando na filha os sonhos que não pôde realizar quando jovem. Alice é uma mãe que protege seus filhos da mesma forma que Erica, ou seja, de uma maneira extremamente exagerada, projetando em Micky o pugilista que Dicky não conseguiu ser. Mas se Erica e Nina vivem sozinhas e tem seus conflitos de mãe e filha (sempre considerando que Erica exista de fato, porque em alguns momentos de Cisne Negro parece que a mãe da bailarina é apenas uma projeção da mente obsessiva de Nina); Alice tem uma relação mais complexa com os filhos, uma vez que se casou duas vezes e não é mãe apenas de Dicky e Micky, mas de várias filhas mulheres, interpretadas por um elenco feminino que não desafina e atua brilhantemente bem em conjunto. De fato, a família de Dicky e Micky é bastante desestruturada, com brigas, confusões, bebidas alcoólicas e todos se intrometendo na vida e na carreira de Micky.

Se Nina vive sufocada pela mãe no filme de Aronofsky, Micky vive sufocado por toda a sua família em O Vencedor, ambos lutarão para se libertarem dos grilhões da instituição familiar. Nina procura sua liberdade metamorfoseando-se cada vez mais no cisne negro, mudando suas atitudes para alcançar a arte perfeita, ou seja, absorver ao máximo a essência do cisne negro. Micky procura se libertar da influência da mãe e dos irmãos, contando com a ajuda da namorada Charlene (Amy Adams) e do pai, George (Jack McGee), que é o integrante mais responsável da família. Assim como Nina, o pugilista conseguirá alcançar o seu objetivo ao se tornar campeão mundial.

Que o leitor não se engane. Micky não é um herói, tal qual Rocky Balboa o é em Rocky, Um Lutador (1976, EUA) e, apesar de o espectador torcer por ele durante as cenas de luta, não se chega às lágrimas ao fim do filme. O Vencedor expõe de forma não melosa os dramas das relações humanas que não aparecem nos ringues do mundo do boxe, o que gera um resultado muito interessante. A consagração de Micky ao fim do filme não é uma glória exclusiva dele, o personagem de Mark Wahlberg divide o seu triunfo com os outros personagens.

Esteticamente, O Vencedor e Cisne Negro são bastante diferentes. Como já foi dito, o filme de Aronofsky é marcado por um perfeccionismo estético impressionante. Por sua vez, a obra de Russell é de um realismo que beira o naturalismo: as camisetas estão sempre marcadas pelo suor; os cenários, carros, objetos e roupas são propositalmente simples, sujos, desarrumados e sem nenhum requinte; as pessoas da cidade são dolorosamente “bobas” e feias, passando ao espectador a exata imagem de uma pequena cidade abandonada onde parece existir uma deficiência mental/intelectual coletiva, em uma espécie de retrato feio da sociedade norte-americana. O Vencedor ainda é marcado por uma estética quase documental em alguns momentos, como nas cenas de luta onde as imagens foram feitas com o uso de câmeras televisivas.

Como se vê, Cisne Negro e O Vencedor são obras diferentes que apresentam alguns elementos em comum. Em ambos vemos a busca pelo triunfo; Cisne Negro explora os bastidores do mundo do balé, ao passo que O Vencedor faz o mesmo exercício com o mundo do boxe; o balé, a arte, é quase que central no filme de Aronofsky; o boxe, por sua vez, não tem o mesmo papel na obra de Russell, uma vez que há outros temas que também tem grande importância dentro do filme, tais como a família e as drogas; a grande beleza estética de Cisne Negro está relacionada com a importância da beleza no balé e na arte de forma geral, o fato de O Vencedor não possuir imagens tão “belas” talvez esteja relacionado ao fato de que a beleza não tenha tanta importância no mundo do boxe, onde a força, a velocidade e a técnica de luta dominam. Todavia, nos dois filmes a arte surge como um elemento que engendra a ação: no Cisne Negro o balé guia a vida de Nina, em O Vencedor vemos os efeitos que um documentário realizado pela HBO produz nas vidas dos personagens.

Por fim, temos que dizer que Aronofsky e Russell fizeram dois belos filmes, cada um a seu modo. Filmes que merecem ser assistidos com muita atenção e que são dignos das indicações e prêmios recebidos até aqui. Cisne Negro e O Vencedor: dois filmes sobre a busca humana pelo triunfo, no eterno desejo (e por que também não dizer “na eterna necessidade”?) de vencer e de se superar.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O tema da vida após a morte sob a direção de Clint Eastwood: notas sobre "Além da Vida"

O tema da vida após a morte sempre instigou as pessoas e já estimulou uma série de filmes, livros, novelas e etc. Talvez esta seja uma questão que todos nós já fizemos ou vamos nos fazer um dia: o que acontece depois que morremos? Questão complexa e que sempre nos intriga, afinal de contas, o homem é o único animal que sabe que vai morrer um dia.
A respeito desse tema, já está em cartaz no Brasil mais um belo filme de Clint Eastwood: Além da Vida (2010, EUA). Trata-se de um excelente drama dirigido com maestria por Eastwood e estrelado por Matt Damon. O filme nos apresenta três histórias que, ao decorrer da película, vão acabar se cruzando: George (Matt Damon) é um vidente que consegue se comunicar com os mortos e tenta levar uma vida normal, uma vez que considera que seu dom é, na verdade, uma verdadeira maldição que sempre o atrapalha no seu cotidiano; Marie (interpretada elegantemente por Cécile De France) é uma jornalista francesa que passou por uma experiência de quase morte na Tailândia durante um tsunami; Marcus (interpretado pelos gêmeos Frankie McLaren e George McLaren) é um garoto de Londres que acabou de perder o seu irmão gêmeo e procura por respostas a respeito da morte e da vida após a morte.
Clint Eastwood não faz um drama de arrancar lágrimas, mas segue por um caminho muito mais interessante do que o do melodrama simplista. Além da Vida é um filme bastante sensível e que trabalha o tema da vida após a morte de forma madura. Eastwood parte do roteiro de Peter Morgan e dirige uma obra que não especula exageradamente sobre o aspecto do mundo do além. Não vemos "céu", "inferno" ou "purgatório", como certamente já vimos em outras obras e ainda veremos em tantas outras, mas apenas rápidos flashes do além, nos quais vemos vultos e rostos não muito bem definidos. Além da Vida também não traz cenas de pessoas entrando em transe ou sendo espalhafatosamente incorporadas por espíritos. Pode-se dizer que o filme trata do tema de forma bastante respeitosa e é mais focado nos modos como a morte interfere nas relações humanas.
Um dos destaques do filme vai, sem sombra de dúvidas, para o elenco. Matt Damon interpreta um homem solitário e condenado a viver com um dom, ou uma maldição, que ele não pediu para ter. Cécile De France interpreta uma jornalista que, afetada por sua experiência, passa a ter dificuldades para continuar no concorrido universo da televisão e no seu relacionamento amoroso. Os atores gêmeos Frankie e George McLaren interpretam os gêmeos Marcus e Jason de forma bastante comovente e são a grande surpresa do elenco. Outro destaque vai para a trilha sonora que, por ser bastante leve e discreta, contribui para que o filme seja um drama inteligente e maduro e não um melodrama feito para levar o espectador às lágrimas fáceis. As sequências da tsunami e do atropelamento de Jason também merecem destaque, seja pelos efeitos visuais/especiais da primeira, seja pela capacidade da segunda de comover fortemente o espectador.
Além da Vida é um grande filme que mostra como Clint Eastwood é um mestre em contar histórias. É um filme que aborda um tema bastante complexo e delicado, mostrando o quanto a vida humana é frágil e cheia de mistérios. Drama maduro dirigido por um grande diretor que não trilha pelos caminhos mais simplistas, mas que prefere tratar de forma inteligente os modos como as pessoas lidam com a morte e com as suas próprias crenças.