segunda-feira, 16 de abril de 2018

Meu Vô Chico sempre comigo!




Apesar de sabermos, desde pequenos, que um dia todos nós morreremos, é difícil estar preparado para a morte de alguém que amamos muito. Ao longo da vida criamos uma ilusão segundo a qual as outras pessoas são nossas: gostamos de dizer “o meu pai”, “a minha mãe”, “os meus avós”, “os meus filhos”, “a minha esposa”, etc. Mas as outras pessoas não nos pertencem, elas não são, de fato, “nossas”. Cada ser humano chega a este mundo, convive com os outros, constrói relações, passa por várias experiências e, após algum tempo, falece. Não há nada que se possa fazer em relação a isso. Quando alguém que amamos deixa este mundo, nós sofremos porque nos damos conta da ilusão sob a qual vivíamos. Finalmente percebemos que aquela pessoa não era uma propriedade nossa e que, aceitemos o fato ou não, o tempo dela neste mundo chegou ao fim.

Quando eu era criança, o meu Vô Chico era para mim o homem mais incrível do mundo. Mesmo estando na terceira idade e sendo aposentado, ele ainda continuou trabalhando durante vários anos como jardineiro, em Monte Carmelo-MG. O trabalho era para ele uma das coisas mais importantes da vida. O meu avô era um homem muito forte, e todos se impressionavam com o fato de que ele conseguia fazer coisas que mesmo os mais jovens não davam conta. Honesto, alegre e humilde, meu avô se dava muito bem com todo mundo e, não por acaso, ele conquistou a admiração e o respeito de muitas pessoas na cidade.

Duas pequenas histórias ajudam a dar a dimensão da grandeza do meu avô.

Quando trabalhava como jardineiro, era comum que ele passasse boa parte do dia fora, às vezes atendendo até mais de uma casa. Por isso, ele costumava levar algum dinheiro no bolso para o caso de precisar comprar algo para comer durante o dia, pois nem sempre os proprietários das casas lhe forneciam o almoço. Mas em várias oportunidades, ao estar andando pelas ruas e se deparar com alguma pessoa pedindo dinheiro, o meu avô logo tirava o que estava carregando no bolso e dava para a pessoa. E fazendo isso, não era raro que ele passasse o dia todo sem comer, afinal, os “patrões” geralmente só o pagavam pelo trabalho ao final do dia. E mesmo ficando sem comer, ele se sentia alimentado depois de realizar a boa ação: “Eu nunca senti fome depois de ajudar uma pessoa na rua”, ele me contou várias vezes.

O meu avô tinha o coração do tamanho do universo. Durante as minhas últimas férias em Monte Carmelo, nós estávamos conversando sobre diversos assuntos quando, de repente, começamos a falar sobre os problemas sociais existentes no mundo e a questão da pobreza. Em um dado momento, ele me olhou fixamente nos olhos e disse: “Por que será que tem tanta gente passando fome no mundo? Eu fico numa dó desse povo, sabe, Rodrigo... Das crianças principalmente. Por que será que o mundo tem que ser desse jeito?”. E naquele momento, os olhos dele se encheram d’água, tamanha a sua tristeza em relação ao problema da desigualdade social. Para alguém tão generoso e que sempre estava disposto a ajudar os outros, era difícil para ele compreender o porquê de alguns homens viverem com muito enquanto muita gente vivia com tão pouco. Meu avô simplesmente não conseguia entender as razões de existir tanta ganância e egoísmo em nosso planeta.

Eu poderia ficar aqui recordando várias outras histórias a respeito do meu avô. Mas acho que os fatos narrados acima já são suficientes para mostrar o quanto ele era um homem bom, de coração puro e cheio de generosidade. Meu Vô Chico foi o ser humano mais iluminado que eu conheci e, embora eu soubesse que um dia ele iria falecer, a minha mente sempre se recusou a pensar demais no assunto, como se no fundo eu acreditasse que o meu avô pudesse, como que por algum milagre, viver para sempre com todos nós aqui na Terra. É verdade que, nos últimos anos, ao perceber que o meu avô estava envelhecendo e ficando com a saúde mais frágil, eu comecei a me dar conta de que, mais dia menos dia, eu teria que lidar com a notícia da sua morte. De qualquer maneira, foi impossível me preparar totalmente para isso. A ilusão teimava em continuar existindo, como normalmente acontece com a maioria das pessoas.

Hoje completou um mês que o meu Vô Chico faleceu. No último dia 16 de março, chegou ao fim a ilusão de que o meu avô “me pertencia”. Após cumprir sua jornada na Terra, ele foi chamado de volta aos braços do Pai. Sua partida deixou um buraco enorme no meu coração, e para sempre terei que lidar com a saudade que vou sentir dele, isto é um fato. Mas passados alguns dias de sua morte, tenho pensado muito sobre a sua vida e sobre os exemplos que ele deixou para todos nós. Tenho refletido muito sobre tudo isso e cheguei à conclusão de que não há motivos para eu ficar triste.

Não, não pode haver tristeza quando o assunto é o meu Vô Chico. Este é um sentimento absolutamente incompatível com a beleza do seu sorriso, o seu inesquecível sorriso que ficará para sempre em minha memória. Não posso ficar triste com sua morte porque, em minha Fé, eu sei que ele está em um lugar muito bonito agora, um lugar bem melhor que este mundo em que vivemos. O que morreu foi o seu corpo físico, não o seu espírito. A alma de meu avô vive e descansa em paz agora. Quando fecho os olhos, consigo ver perfeitamente o meu avô caminhando por um lugar repleto de flores e árvores, com pássaros cantando e muito verde ao redor. Neste lugar, eu sei que meu avô pode caminhar o quanto quiser, afinal, suas pernas não doerão mais, a fadiga não o incomodará novamente e seus pulmões não ficarão sem ar, pois estes problemas que o incomodavam tanto em seus últimos anos de vida terrena agora não podem mais alcançá-lo. O meu avô está livre de qualquer limitação terrena. Eu gosto de imaginar as coisas dessa forma, e encarar a morte de meu avô desta maneira tem me dado muitas forças. A certeza de que ele está em um lugar melhor agora acalma o meu coração. 

O meu avô está bem, eu sei disso!

E se ele está bem, não há motivos, portanto, para ficar triste. A saudade sim é algo inevitável, que continuará machucando um bocado o meu coração durante muito tempo, mas não sinto que eu deva ficar triste por causa da morte do meu avô. Afinal, não há agora sequer barreiras físicas entre mim e ele. Se antes eu tinha que viajar pouco mais de cem quilômetros para vê-lo e sentir sua presença, agora, eu sinto que em espírito o meu avô está sempre comigo. Este sentimento me conforta e me dá forças para seguir em frente. Deus foi bom comigo ao permitir que eu pudesse conviver com o meu avô por muitos anos, e Deus continua sendo bom comigo ao me proporcionar a sensação de que o meu avô permanece ao meu lado. Por tudo isso, eu sou grato a Deus e não me sinto no direito de ficar triste.

Nestes últimos dias, tenho me lembrado muito de algo que o escritor Guimarães Rosa uma vez escreveu: “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer.” O que aprendi com essas palavras é que a ausência física do meu avô pode até me fazer sentir saudade, mas nunca pode me deixar triste, pois eu sei que uma das coisas que meu avô mais gostava era ver seus familiares alegres e sorrindo. Assim, espero continuar tendo forças para seguir sorrindo e alegre, afinal, creio que Deus e meu avô ficarão contentes com isso.

Termino este texto com uns versos que eu mesmo escrevi há alguns dias atrás. Eles sintetizam bem o fato de que, se por um lado a morte nos afasta fisicamente daqueles que amamos, por outro lado o amor e a memória permitem que aqueles que amamos sempre estejam conosco. Ter meu avô sempre comigo é uma dádiva, o mais bonito de todos os presentes. E novamente, sou grato a Deus por isso...

“Quando você que eu tanto amava
Neste mundo vivia
Se perto de você eu estava
A sua presença eu sentia.

Agora você que eu ainda amo
Neste mundo não mais está
Mas posso sentir sua presença comigo
Sempre, em qualquer lugar.”


Uberlândia-MG, 16 de abril de 2018



domingo, 22 de janeiro de 2017

Minha Vó Nega...


Ontem, dia 21 de janeiro, minha Vó Nega completou 78 anos de idade. Uma vida longa e que foi repleta até aqui de muitos desafios. Minha avó, como vocês podem imaginar, não nasceu "Nega", mas sim "Brasilina", o seu verdadeiro nome. De qualquer forma, ela é mais conhecida pelo apelido e, para mim, desde pequeno, ela sempre foi simplesmente a "Vó Nega".

Falar da minha avó é falar de uma mulher forte. Ela não teve uma vida fácil e foi com bastante luta que conseguiu criar os sete filhos ao lado do meu avô. É preciso lembrar que há algumas poucas décadas atrás, as pessoas não tinham certas comodidades que nos dias de hoje são tão corriqueiras. Disk-entrega? Isso não existia. Viajar para um lugar distante? Não era tão simples, já que o acesso a meios de transporte tinha as suas limitações. Comprar carne já devidamente cortada no açougue? Nem sempre, pois há algum tempo atrás se matava o animal - uma galinha, por exemplo - no quintal de casa mesmo, tinha que sujar as mãos para fazer o serviço. E o que mais... televisão, quando havia, só com poucos canais e a imagem era bem ruim - alguém tinha que mexer na antena lá fora até alguém gritar de dentro de casa para avisar que a imagem da TV tinha melhorado. Telefone celular? Não havia. Rua asfaltada na porta de casa? Este luxo só veio com o tempo, e antes disso as pessoas tinham que encarar a poeira e o barro.

A vida moderna trouxe alguns pequenos confortos. Não para todo mundo, é verdade, pois ainda hoje há pessoas que vivem sob condições sofríveis de vida. Porém, o que eu estou querendo dizer é que, ao longo de quase oitenta anos, minha avó - ao lado do meu avô, do meu pai e dos meus tios - teve que enfrentar uma realidade muito diferente da atual, com desafios complexos e muitas dificuldades que os mais jovens de hoje talvez nem imaginam.

Minha Vó Nega teve que se desdobrar para encarar as intempéries da vida. A ordem natural das coisas foi invertida, e ela teve que vivenciar uma terrível perda para qualquer mãe: a morte de um filho. O meu pai morreu muito jovem, e eu sei que passar por isso não foi fácil para a minha avó. Quando eu era criança e o assunto da morte do meu pai era abordado em alguma conversa, o seu olhar e a sua fisionomia sempre mudavam. Quem de nós poderá dimensionar o tamanho dessa dor? Provavelmente, ninguém além de Deus.

Ainda assim, desde a infância, a minha avó me surpreendeu por sua força e sua determinação. Procurava cuidar de tudo e de todos. Muito atenta, poucas coisas escapavam aos seus olhos e aos seus ouvidos. Dona de uma sinceridade e de um senso de humor por vezes ácido - o que, devo dizer, sempre foi algo que me agradou muito nela -, minha Vó Nega nunca foi de ter papas na língua e nunca perdeu a oportunidade de fazer uma graça, contar um causo engraçado ou tecer algum inesperado comentário sobre uma celebridade da TV. Certa vez, quando assistíamos juntos a um telejornal, ela elogiou a beleza do apresentador da seguinte maneira: "Esse Evaristo Costa é bonito demais, um pão... Nossa, acho que até o c* dele deve ser bonito!". E depois de falar já começava a rir deliciosamente no sofá da sala. Que divertido era e ainda é ouvir esses comentários feitos por ela! Minha Vó Nega sempre foi uma grande figura, e isto é algo que ninguém pode mudar.

Ela também é dona de uma grande sabedoria. Quantas vezes eu já tive a oportunidade de conversar com ela por longas e longas horas, nais quais sempre pude aprender muito sobre as coisas da vida. Minha avó é uma pessoa que sabe falar e ouvir, e com ela dá para conversar sobre religião, finanças, política, telenovelas, família, atualidades, culinária, etc. Dona Nega sempre está pronta para uma boa conversa, mas ela gosta de deixar bem claro: não suporta "PR", ou seja, alguém com o "papo ruim". Foi em uma de nossas conversas que ela me disse algo que nunca vou esquecer: "Quem não vive para servir, não serve para viver". Penso que a lição mais importante que ela me ensinou foi exatamente esta de tentar fazer o bem às pessoas, mesmo que tais pessoas não tenham sido boas conosco. Sim, uma lição difícil de aprender e de colocar em prática, mas uma lição extremamente importante.

Falar da minha Vó Nega é me recordar de algumas das melhores coisas da infância: o futebol na rua Minas Gerais perto da casa dela, os bolinhos de chuva, o dinheiro para ir à sorveteria, as tardes gostosas em época de férias na "casa da vó". Falar da minha avó é falar de alguém que soube enfrentar com firmeza os dissabores da vida e que sempre procurou fazer as coisas da maneira certa, com honestidade e integridade. Falar da minha avó é falar de uma pessoa que é exemplo de resistência e força, um exemplo sempre útil para os momentos difíceis da vida.

Durante a minha infância, eu confesso que pensava que ela seria eterna. Os anos passados e a vida adulta me mostraram, porém, que o tempo age sobre todas as pessoas. Hoje, quando a vejo em sua casa, com os movimentos lentos, a respiração cada vez mais pesada, a dificuldade para se levantar e as marcas do tempo em seu rosto, não há como não pensar neste destino de todos nós que é o envelhecimento. Minha Vó Nega quase sempre fala, desde que eu me entendo por gente, dos seus problemas de saúde e de como acha que "vai morrer em breve". É algo dela. E eu, como neto, gosto de responder que ela está errada e que vai viver muitos e muitos anos ainda. Respondo dessa forma porque é o que eu realmente desejo, do fundo do meu coração. Quero que ela viva ainda muitos e muitos anos para além destes 78 que ela completou ontem. E isto não é algo que eu apenas "quero" que aconteça, mas que também "sei" que é o que vai acontecer! Porque pessoas como a minha Vó Nega são para sempre, para a eternidade. Porque pessoas como ela sempre deixam a sua marca em nós, seus filhos e netos, pelo seu exemplo e pelos seus ensinamentos. Vó Nega é dessas pessoas que ficam sempre com a gente.

Por tudo isso, só posso dizer: vida longa à Dona Nega! 

Parabéns, Vó!
Nós te amamos!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Quando me perguntam se eu acredito em Deus...

Quando me perguntam se eu acredito em Deus, tem uma história que aconteceu comigo e que eu sempre gosto de lembrar...
Na época em que eu fazia o Curso de Graduação em História no período noturno, há alguns anos atrás, eu ia embora da faculdade sempre a pé. Foram mais de quatro anos fazendo isso. Eu saía da UFU e caminhava até a minha casa no bairro Aparecida. A noite oferecia os seus perigos, é claro, mas não tinha outro jeito, então eu precisava encarar aquela caminhada noturna. Uma vez, indo embora para a minha casa, passando perto da agência da Caixa Econômica e da Curinga Veículos, ali na Avenida Rondon Pacheco, cansado depois de um dia todo estudando na UFU, e suportando o frio que fazia naquela noite, eis que me deparo com um assaltante!
Eu me lembro que era um cara jovem e, como dava para perceber, ele estava visivelmente "alterado", provavelmente em função do uso de alguma droga. Surgiu quase que do nada, perguntou onde estava o meu celular e se eu tinha dinheiro. Agora, tentem entender a minha situação naquele momento... Durante a minha faculdade, eu não trabalhava, e a única fonte de renda que eu tinha era uma tímida bolsa de Iniciação Científica (era por participar de um projeto de pesquisa que eu ficava o dia todo na UFU de vez em quando). Naquele dia, mais cedo, eu tinha gastado quase todo o meu dinheiro com umas xerox de uns textos para as disciplinas que eu cursava. Quanto ao celular, o mesmo tinha ficado em casa recarregando a bateria (e o aparelho estava sem créditos, então, eu não o tinha levado comigo para a universidade naquele dia). Na minha carteira, havia apenas a notável quantidade de dois reais e alguns centavos que tinham sobrado após um dia todo na UFU. Numa situação assim, eu só conseguia pensar que o cara ia me matar. "Pronto, esse maluco vai ficar grilado pelo fato de eu não ter muita coisa e vai estourar os meus miolos. Não é possível que eu vou acabar desse jeito", pensei.
Já passei por muitas dificuldades na vida, mas posso dizer a vocês que ter uma arma de fogo apontada para mim foi certamente uma das piores experiências que já tive. E o pior era que o assaltante estava muito, mas muito alterado, praticamente fora de si, o que aumentava ainda mais o meu medo de morrer ali mesmo.
E no entanto, embora o medo fosse grande e, por dentro, eu estivesse completamente apavorado, por mais incrível que pareça, eu consegui demonstrar calma naquela hora. Minhas mãos não tremeram e eu sequer gaguejei. Conversei com o ladrão sobre o porquê de eu ter tão pouco dinheiro naquele momento. Ele abriu a minha mochila, viu o meu caderno e os textos da faculdade, depois olhou pra mim e me disse umas coisas que, sinceramente, eu nem consigo me lembrar. No final, ele levou o meu pouco dinheiro e também a minha blusa, pois fazia frio na hora. Tomou o seu caminho e não me atormentou mais. Não houve nenhum tipo de agressão física. Sobrevivi ao assalto e, o que é melhor, fisicamente ileso.
A sensação de estar "por um fio" é horrível. Mas alguma coisa naquela hora me deu forças para demonstrar calma, mesmo eu estando tenso por dentro. Alguma coisa ali me ajudou a não fazer nenhum tipo de movimento brusco. Sim, eu gosto de pensar que teve algo ali que também não permitiu que o assaltante puxasse o gatilho da arma. Foi um momento complicado? Sim! Mas mesmo naquela hora em que tudo poderia dar errado, as coisas acabaram dando certo.
Desde então, eu gosto de pensar que Deus é aquele punhado de boa sorte que nós temos em um momento de azar. Deus às vezes tem um modo estranho de agir, e nem sempre conseguimos compreender a Sua vontade. Mas Ele está sempre ali, nos detalhes. Não acho que Ele interfira sempre em tudo, mas quando Ele age, ah, acontecem coisas que a gente nem acredita!
Sim, eu acredito em Deus!

sexta-feira, 27 de março de 2015

Sobre a “imparcialidade” da imprensa

Nos últimos meses, as publicações de teor político se multiplicaram nas redes sociais, onde as pessoas se manifestam a favor ou contra o governo. As postagens no Facebook dialogam com o conteúdo veiculado pela imprensa. Enquanto algumas pessoas simplesmente reproduzem as informações transmitidas pelos veículos de comunicação, outras acusam a grande mídia de “tomar partido” nos debates políticos. Mas é possível existir imparcialidade na imprensa?
Analisemos a forma padrão dos telejornais. Atrás de uma bancada, bem vestidos e, na maior parte das vezes, com expressão séria estão os âncoras. Uma reportagem é chamada e há um corte para o repórter que está em algum local, realizando a sua matéria. O repórter está fora do estúdio para confirmar “in loco” o que foi anunciado na bancada. O telespectador raramente é informado da real localização do estúdio de gravação do telejornal. É como se os apresentadores estivessem em um ambiente neutro, afastado da realidade. Parece não haver dúvida: as informações são transmitidas de maneira imparcial.
Todavia, por trás dessa aparente neutralidade, sempre há uma posição política sendo assumida. A ordem em que as matérias são exibidas, a duração de cada reportagem, as notícias que não são divulgadas e os adjetivos usados nas falas dos apresentadores e dos repórteres não são aspectos definidos de maneira inocente pelos editores do telejornal. O mesmo vale para as revistas, os jornais impressos e os sites de notícias. Aquele que transmite informações pela mídia nunca pode apagar completamente o seu ponto de vista ou o ponto de vista da corporação para a qual trabalha, seja ele favorável ou crítico ao governo.
“Mas a imprensa não pode mentir, senão o jornalista será processado por calúnia e difamação”, dizem alguns. É claro que o jornalismo feito com responsabilidade tomará certos cuidados antes de veicular uma informação. Contudo, é preciso que não sejamos ingênuos, pois existem muitas formas de se contar uma mesma “verdade”, e cada uma delas é carregada de intenções.
O fato de a imprensa “tomar partido” não me amedronta. Isso é normal e, em uma democracia, é até bom que seja assim. O que realmente me assusta é a falta de capacidade crítica de muitos leitores e telespectadores que acreditam em tudo o que é veiculado pela mídia.
(Texto originalmente publicado na Coluna do NEHAC do Jornal Correio de Uberlândia no dia 27 de março de 2015.)

sexta-feira, 20 de março de 2015

MacGyver

A vida muitas vezes nos coloca em situações difíceis, das quais parece não haver saída. E o que fazemos quando nos deparamos com determinados obstáculos, quando nos vemos presos em certas armadilhas? Como reagimos em situações complicadas? Acredito que pensar sobre tais questões é importante, ainda mais quando se vive em um mundo tão desafiador como o nosso.
Gosto de lembrar sempre o seriado “MacGyver” (também chamado de “Profissão: Perigo”), que surgiu na TV americana nos anos 1980 e, tempos depois, chegou ao Brasil. O seu protagonista era o agente Angus MacGyver (Richard Dean Anderson), um homem extremamente inteligente, capaz de encontrar a solução para os mais variados problemas. Algo que eu gostava em “MacGyver” eram as ferramentas criadas pelo personagem principal para conseguir escapar de alguma armadilha ou de um lugar perigoso, tais como as famosas bombas com chiclete.
Todavia, não era a inteligência do personagem o que mais me chamava a atenção, mas a forma como ele lidava com as situações mais tensas. Antes de fazer qualquer coisa, MacGyver procurava se manter calmo. Não importava o tamanho do perigo, ele se mantinha bastante sereno, sempre disposto a pensar antes de agir. Outra característica interessante do personagem era o fato de que ele não perdia tempo reclamando da falta de determinada ferramenta. MacGyver sempre preferia olhar para o que ele tinha ao alcance de suas mãos e trabalhava com sua criatividade em cima dos recursos disponíveis.
Não importa que certos mecanismos criados por MacGyver desafiem a imaginação do espectador. O fato é que a postura do protagonista diante das dificuldades e dos perigos é inspiradora. Quanta energia não devemos perder quando nos descabelamos diante de determinados problemas? E aonde tal desespero nos leva? Normalmente, a lugar nenhum. Já parou para pensar no tempo que você perde quando fica só reclamando ao dizer coisas como, “Mas eu não consigo fazer isso porque eu não tenho os materiais necessários”? E enquanto ficamos sem ação, os problemas vão só aumentando…
Ao longo da vida, aprendi que reclamações excessivas e desespero sem limites não adiantam nada. Em um mundo, muitas vezes hostil, é preciso olhar ao redor e valorizar os recursos disponíveis, manter a calma e usar a criatividade, afinal, a solução para nossos problemas pode estar mais perto do que pensamos.
Que sejamos um pouquinho como MacGyver!
(Texto originalmente publicado na Coluna do Nehac do Jornal Correio de Uberlândia no dia 11 de julho de 2014.)

Sobre "Pão e Circo"

A Copa do Mundo de 2014, que está acontecendo no Brasil, tem sido tema de uma série de debates na imprensa, nas rodas de amigos e nas redes sociais, onde observa-se algumas críticas ao torneio, sobretudo em relação aos exorbitantes gastos com a competição.
Entre os que criticam a Copa do Mundo é comum percebermos o uso da expressão “pão e circo” para classificar o evento, que é visto por essa perspectiva como um meio de o governo brasileiro entreter o povo e fazer com que as pessoas se esqueçam dos problemas do nosso país. Ora, a ideia de “pão e circo” nos remete, entre outras coisas, aos espetáculos que ocorriam na Roma antiga onde o público assistia aos combates entre gladiadores. Nos livros didáticos e no senso comum, tais espetáculos são geralmente vistos como uma eficaz estratégia dos detentores do poder para entreter a massa popular de Roma. Assim, quando aqueles que criticam a Copa do Mundo no Brasil a rotulam como “pão e circo” é justamente essa imagem cristalizada na memória coletiva acerca das lutas de gladiadores que é retomada.
Todavia, quando se estuda aqueles espetáculos antigos, encontra-se elementos que nos permitem repensar tal noção de “pão e circo”. No livro “Gladiadores na Roma Antiga: dos combates às paixões cotidianas” (2005), a historiadora brasileira Renata Senna Garraffoni nos mostra como foi construída ao longo do tempo essa imagem dos combates entre gladiadores como um meio usado pelas elites para divertir e manter sob controle a massa popular ociosa romana.
A partir disso, a autora se esforça para demonstrar a complexidade que envolvia aqueles eventos. Por meio de uma ampla pesquisa documental, Garraffoni concentra seu estudo na figura dos gladiadores, na organização das lutas, nos diversos atores sociais envolvidos no processo, etc. Mais que isso, a autora apresenta um dado desconhecido por muitos: o público que assistia àquelas lutas não era homogêneo, nem passivo, mas formado por pessoas de distintas origens e que até se manifestavam politicamente nas arquibancadas das arenas.
Como se vê, a ideia cristalizada de “pão e circo” presente no senso comum sobre as lutas de gladiadores na Roma antiga não nos permite vislumbrar a complexidade daqueles espetáculos. Aqui fica uma pergunta: se as lutas de gladiadores eram um fenômeno tão complexo, o que dizer então da Copa do Mundo dos dias de hoje? Penso que críticas ao evento da Fifa devem, sim, ser feitas, mas usar a expressão “pão e circo” sem uma reflexão mais aprofundada sobre a sua história e sobre os seus significados não me parece ser um caminho interessante.
(Texto originalmente publicado na Coluna do Nehac do Jornal Correio de Uberlândia no dia 27 de junho de 2014.)

"Colheita Maldita"

Talvez você já tenha se perguntado: e se o mundo fosse governado por crianças? Eu mesmo já me fiz essa pergunta quando era pequeno e a imagem de um mundo melhor veio à minha cabeça. Contudo, uma perspectiva bem diferente acerca de tal questão me foi apresentada no início da adolescência pelo filme “A colheita maldita” (1984, direção de Fritz Kiersch).
No filme, uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos passa a ser controlada por crianças e adolescentes. Baseado em um conto do escritor norte-americano Stephen King, “A colheita maldita” elabora uma imagem bastante negativa de uma sociedade governada por crianças. Com elas no comando, a cidade se vê entregue à violência, ao terror e aos caprichos dos mais jovens que, aliás, chegam a matar os próprios pais. A obra até explica que aqueles meninos e meninas estão sob o domínio de uma força sobrenatural maligna, mas, ainda assim, a imagem que se tem das personagens infantis e adolescentes é de pessoas mimadas. Segundo o filme, não há um mundo melhor com as crianças no poder, mas justamente o contrário: um cenário de completo horror.
Guardadas as devidas proporções, o fato é que essa obra de ficção me faz pensar na educação de nossas crianças e de nossos jovens atualmente. O que se tem visto em muitas famílias brasileiras são pais e mães completamente dominados pelos filhos. Talvez como uma compensação pelo longo período passado fora de casa, no trabalho, muitos pais têm dado a seus filhos uma educação bastante permissiva, impondo poucos limites às vontades das crianças ou até mesmo nenhum. Não por acaso, psicólogos têm usado o termo “infantocracia” exatamente para descrever a situação na qual os filhos governam os pais e mandam em casa. As crianças estão assumindo o controle em muitos lares.
Não creio que essa seja uma boa forma de plantar um futuro melhor para a nossa sociedade. De fato, alguns frutos dessa verdadeira “colheita maldita” já podem ser vistos cotidianamente: crianças e adolescentes que não sabem ouvir um “não” e que ficam extremamente tristes ou irritados quando a vida coloca uma frustração em seu caminho, muitas vezes respondendo até com violência às decepções.
Lutar contra tal processo é uma tarefa da qual os pais não devem fugir. Afinal, uma boa educação não se faz apenas com colégios caros, conforto, amor, diálogo e muito carinho, mas também com limites. As crianças não devem crescer pensando que podem fazer tudo o que querem.
(Texto originalmente publicado na Coluna do Nehac do Jornal Correio de Uberlândia no dia 25 de abril de 2014.)