sexta-feira, 20 de março de 2015

Sobre "Pão e Circo"

A Copa do Mundo de 2014, que está acontecendo no Brasil, tem sido tema de uma série de debates na imprensa, nas rodas de amigos e nas redes sociais, onde observa-se algumas críticas ao torneio, sobretudo em relação aos exorbitantes gastos com a competição.
Entre os que criticam a Copa do Mundo é comum percebermos o uso da expressão “pão e circo” para classificar o evento, que é visto por essa perspectiva como um meio de o governo brasileiro entreter o povo e fazer com que as pessoas se esqueçam dos problemas do nosso país. Ora, a ideia de “pão e circo” nos remete, entre outras coisas, aos espetáculos que ocorriam na Roma antiga onde o público assistia aos combates entre gladiadores. Nos livros didáticos e no senso comum, tais espetáculos são geralmente vistos como uma eficaz estratégia dos detentores do poder para entreter a massa popular de Roma. Assim, quando aqueles que criticam a Copa do Mundo no Brasil a rotulam como “pão e circo” é justamente essa imagem cristalizada na memória coletiva acerca das lutas de gladiadores que é retomada.
Todavia, quando se estuda aqueles espetáculos antigos, encontra-se elementos que nos permitem repensar tal noção de “pão e circo”. No livro “Gladiadores na Roma Antiga: dos combates às paixões cotidianas” (2005), a historiadora brasileira Renata Senna Garraffoni nos mostra como foi construída ao longo do tempo essa imagem dos combates entre gladiadores como um meio usado pelas elites para divertir e manter sob controle a massa popular ociosa romana.
A partir disso, a autora se esforça para demonstrar a complexidade que envolvia aqueles eventos. Por meio de uma ampla pesquisa documental, Garraffoni concentra seu estudo na figura dos gladiadores, na organização das lutas, nos diversos atores sociais envolvidos no processo, etc. Mais que isso, a autora apresenta um dado desconhecido por muitos: o público que assistia àquelas lutas não era homogêneo, nem passivo, mas formado por pessoas de distintas origens e que até se manifestavam politicamente nas arquibancadas das arenas.
Como se vê, a ideia cristalizada de “pão e circo” presente no senso comum sobre as lutas de gladiadores na Roma antiga não nos permite vislumbrar a complexidade daqueles espetáculos. Aqui fica uma pergunta: se as lutas de gladiadores eram um fenômeno tão complexo, o que dizer então da Copa do Mundo dos dias de hoje? Penso que críticas ao evento da Fifa devem, sim, ser feitas, mas usar a expressão “pão e circo” sem uma reflexão mais aprofundada sobre a sua história e sobre os seus significados não me parece ser um caminho interessante.
(Texto originalmente publicado na Coluna do Nehac do Jornal Correio de Uberlândia no dia 27 de junho de 2014.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário